sexta-feira, 6 de abril de 2012

|Anti-Gênese|



A caneta percorre veloz a brancura do papel sem que nada significativo seja criado. O escritor, sentado desajeitadamente na rudimentar cadeira, macula a alva superfície com pensamentos desconexos, quase vazios. Sua mente percorre inúmeros reinos e terras bem conhecidas em busca do mistério, mas tudo ao redor parece desvendado. Mesmo as palavras parecem sem significado, pois outros aventureiros se valeram delas por vezes sem conta, deixando pálidas representações no lugar.

Frustrado, o escritor passa então a rabiscar cada palavra utilizada mais de uma vez; não consegue suportar o peso de todos os discursos proferidos em todas as terras existentes e imaginadas. Percebe num repente que talvez não haja palavras virgens, esperando que ele as deflore. Todas elas já se prostituíram ao menos uma vez para que outros pudessem se expressar. Nada há para ser dito.

Um grito mudo de puro pavor, semelhante imperfeito do grito primordial, trilha seu caminho pela boca do escritor. Estupefato, permite que a caneta caia no chão e se espalhe em fragmentos e tinta azul brilhante.

Nada há para ser dito.


[Por: Camila Alferes. 05/04/2012]

Um comentário:

  1. Aí então se escreve sobre a linha já cursada para que pelo menos o ruído ocasional cause alguma verborragia que possa ser, enfim, estancada, mas não sem antes gotejar sobre o tapete da sala...

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